A tentativa de reparação promovida pelo governo federal em relação à fraude nos descontos associativos do INSS, embora revestida de discurso institucional em prol da justiça social, tem despertado críticas relevantes. Em vídeo amplamente divulgado nas redes sociais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou pessoalmente aposentados e pensionistas a aderirem ao acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no início de julho. “Aposentadoria é sagrada”, declarou, referindo-se aos cerca de R$ 6,3 bilhões retidos indevidamente de milhões de beneficiários ao longo dos últimos anos.
Entretanto, especialistas e entidades de defesa do consumidor alertam para os riscos embutidos nesta campanha governamental. Conforme detalhado pelo Correio Braziliense, ao aderirem ao acordo, os aposentados renunciam automaticamente ao direito de pleitear indenizações por danos morais e desistem de qualquer ação judicial em curso. A compensação será feita de forma administrativa, corrigida pelo IPCA, com início previsto para 24 de julho de 2025 e término até dezembro, mas restrita aos que já contestaram os descontos ou cujas associações não se manifestaram em tempo hábil.
Pressão institucional disfarçada de reparação
Embora a proposta traga a promessa de agilidade e desjudicialização, a forma como o governo federal tem conduzido a divulgação do acordo acende sinais de alerta. Ao mobilizar diretamente a figura presidencial para apelos emocionais, o Executivo lança mão de um instrumento de convencimento simbólico que pode influenciar decisões precipitadas, principalmente entre idosos com baixa instrução ou acesso restrito à informação.
Segundo análise de veículos como UOL Economia e Folha de S.Paulo, a convocação oficial do governo omite pontos cruciais: o acordo não garante reparação integral e pode deixar de fora cerca de 7,9 milhões de pessoas que também foram vítimas dos descontos. Esses cidadãos dependerão de novos procedimentos de contestação ou de eventual reabertura de prazo pelas entidades envolvidas. A campanha massiva, no entanto, não oferece clareza quanto a isso.
Aspectos jurídicos pouco explicados
A adesão voluntária, ao mesmo tempo em que viabiliza o reembolso via folha de pagamento, exige renúncia expressa ao ajuizamento de ações futuras. Em termos técnicos, trata-se de uma “transação judicial”, conforme permitido pelo artigo 840 do Código Civil, combinada com a lógica de precedentes de repercussão geral e desjudicialização presentes no novo CPC. Ainda assim, a ausência de orientação jurídica para os aposentados torna o consentimento questionável sob a ótica da autonomia plena de vontade, especialmente quando envolve populações hipervulneráveis.
Análise crítica: agilidade ou apagamento de direitos?
Ao priorizar a velocidade de pagamento e o encerramento de litígios, o governo utiliza o discurso da justiça célere como ferramenta de blindagem institucional. A pressa em resolver o problema — que teve origem ainda na omissão do próprio INSS em fiscalizar convênios com associações — acaba sendo usada como atenuante político.
A campanha de adesão ignora o fato de que os valores fixados como média (R$ 1.333,33 por pessoa) são apenas estimativas iniciais. Em muitos casos, o ressarcimento devido — especialmente considerando os efeitos financeiros, emocionais e patrimoniais de anos de descontos ilegais — ultrapassaria esse valor caso fosse objeto de ação judicial completa, com possibilidade de dano moral e até multa punitiva.
Casos ignorados e risco de exclusão silenciosa
Como no caso da aposentada Ruth, de Minas Gerais, que teve R$ 12 descontados por mês durante quatro anos e não foi informada da fraude. Sem saber que pode contestar ou como fazê-lo, ela não está no cronograma inicial de pagamento. Em situação semelhante, milhares de outros idosos aguardam respostas da Previdência, mas podem ser excluídos do acordo por não dominarem plataformas digitais ou não residirem em áreas com acesso ao PREVBarcos ou aos Correios.
Conclusão
O acordo, em si, é um avanço — reconhece o dano coletivo e tenta estabelecer uma resposta institucional. No entanto, a forma como vem sendo apresentado e conduzido pelo governo federal reduz sua legitimidade. A convocação feita pelo presidente Lula, em tom quase compulsório, revela um viés mais político do que propriamente reparador. O silêncio sobre os riscos da renúncia de direitos, a ausência de canais claros de orientação jurídica e a exclusão potencial de milhões de vítimas tornam a medida insuficiente e seletiva. Justiça de verdade exige mais do que celeridade: exige informação, equidade e respeito à decisão consciente do cidadão.
Por: Blog Luciano Melo Oficial / Fonte: Correio Braziliense
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